Eric Lindros e a troca que abalou as estruturas da NHL

Conhecido como ”The Next One”, Eric Lindros marcou seu nome na história da NHL, não só por seu talento e desempenho no gelo, mas por ter protagonizado uma das trocas mais emblemáticas já vistas naquela liga; nas palavras de Adam Kimmelman (NHL.com), foi uma negociação que “alterou o destino de três franquias e quatro cidades”.

Comparado “apenas” a Wayne Gretzky e Mario Lemieux, Lindros tinha considerável presença física, sendo habilidoso ao patinar e ofensivamente falando. 

A crise teve início quando Lindros disse, pré-Draft de 1991, que não atuaria pelo Quebec Nordiques (atual Colorado Avalanche) se o time canadense gastasse sua primeira escolha geral nele. Resultado? O aviso do jogador não foi ouvido. Os Nordiques escolheram Lindros na primeira posição geral do recrutamento daquele ano e o atacante se recursou a assinar com a equipe, optando por retornar à OHL, onde defendia a camisa dos Oshawa Generals.

Eric estaria elegível para um re-draft em 1993. Como não queriam perder o jogador e ficar no prejuízo, os Nordiques aproveitaram o recrutamento de 1992 e trocaram Lindros com o Philadelphia Flyers, recebendo Peter Forsberg, Mike Ricci, Ron Hextall, Steve Duchesne, Kerry Huffman e considerações futuras (Chris Simon, duas escolhas de primeira rodada e US$ 15 milhões).

E não foram apenas Nordiques e Flyers envolvidos no balde por Lindros. Como dito anteriormente, havia um terceiro time envolvido nessa situação toda: o New York Rangers. Marcel Aubut, presidente da franquia de Quebec, não negociou apenas com Philadelphia, mas também chamou os nova-iorquinos à mesa de negociações. Quase 90 minutos depois de aceitar a oferta dos Flyers, Aubut – sem juízo e sem pensar no amanhã –  encaminhou aos Rangers uma proposta deveras considerável. 

Tal proposta, se viesse a ser aceita, envolveria Sergei Nemchinov, Tony Amonte, Alexei Kovalev, James Patrick, John Vanbiesbrouck ou Mike Richter, múltiplas escolhas de primeira rodada e US$ 20 milhões. Tentador, não?

Foi o suficiente para dar início a uma confusão de proporções épicas e que ficaria evidenciada em fala de Rick Curran, agente de Lindros: “Então, em algum ponto, enquanto eu estava sentado aqui, me dei conta de que ele [Lindros] havia sido trocado duas vezes”. 

A jogada ousada – para dizer o mínimo – de Marcel Aubut deu início a um longo processo de arbitragem, impetrado pelos Flyers junto à NHL.

O dia 30 de junho de 1992 traria o resultado da disputa. Após entrevistar 11 testemunhas (incluindo o próprio Eric Lindros) e revisar mais de 400 páginas de anotações em um período de cinco dias, o árbitro Larry Bertuzzi redigiu decisão de oito páginas, dando ganho de causa à equipe da Filadélfia. 

“Decidindo que o aperto de mão é tão poderoso quanto uma caneta… Bertuzzi… decidiu que Marcel Aubut havia negociado Eric Lindros com o Philadelphia Flyers às 10h30, em 20 de junho, 80 minutos antes de Aubut concluir uma troca igualmente informal com os Rangers. Os direitos de negociar com Lindros (…) pertencem, em última instância, aos Flyers”, segundo informou Filip Bondy (The New York Times). 

A notícia também foi dada por Lisa Dillman, do jornal Los Angeles Times.

Em se tratando de Philadelphia Flyers e Quebec Nordiques, os impactos da troca passariam a ser percebidos rapidamente. Dentro da organização Flyers, Lindros chegou “metendo o pé na porta” da OHL, onde marcou assombrosos 216 pontos ao longo de 95 jogos. Quando estreou na NHL, foram 75 pontos e, na temporada seguinte, foram 44 gols e mais de 100 minutos de penalidades, o que só ajudava o jovem atacante a ter uma enorme reputação dentro da liga, sendo um grande recurso para o time da Filadélfia. 

É verdade que a vaga nos playoffs não veio nos dois primeiros anos de Eric Lindros na National Hockey League. Entretanto, tal fato em nada pesaria contra o que estaria por vir no curto prazo – seja para o jogador, seja para a sua equipe. 

Enquanto isso, do lado norte da fronteira Eua-Canadá, os benefícios da negociação começaram a ser percebidos também. Vindos da WHA (inseridos na NHL em 1979-80, com idas seguidas aos playoffs entre 1980-81 e 1986-87) e depois de cinco anos consecutivos amargando a lanterna da Divisão Adams (disputada junto de Bruins, Sabres, Whalers e Canadiens), os Nordiques contavam com um elenco repleto de jovens jogadores adquiridos ao gastar escolhas de Draft – entre eles, Mats Sundin (selecionado em 1989), Owen Nolan (selecionado em 1990) e Joe Sakic (selecionado em 1987).

A temporada 1992-93 seria o ano da mudança. Duschene, Ricci e Hextall impulsionaram o elenco de Quebec, que deixou de ser o saco de pancadas da divisão e voltou a ser um contender – 47 vitórias, 27 derrotas e dez empates, marcando 351 gols (100 a mais que na temporada anterior). Entretanto, a campanha dos Nordiques nos playoffs pouco durou: nas semifinais de divisão, foram vencidos pelo Montreal Canadiens em seis jogos. 

O rendimento da equipe caiu na temporada seguinte (34-42-8, quinto lugar na divisão) e mudanças no elenco foram realizadas. Chegaram Jocelyn Thibault e Adam Deadmarsh, enquanto Hextall foi para os Islanders em troca por Mark Fitzpatrick. 

Os Nordiques se recuperariam na curta temporada 1994-95, vencendo a Divisão Nordeste (também composta por Bruins, Sabres, Whalers, Canadiens, Senators e Penguins) – embora novamente pouco viessem a fazer nos playoffs, sendo vencidos em seis jogos pelo New York Rangers na primeira rodada.

Esta foi a última temporada da franquia Nordiques no Canadá antes de mudar de nome, cidade e país.

Nos Flyers, nesta mesma temporada 1994-95, Lindros foi alçado à condição de capitão, venceu o Hart Trophy e ajudou seu time a ir aos playoffs pela primeira vez em seis temporadas. Além disso, entre 1995 e 1997, o atacante integrou a “Legion of Doom” ao lado de Mikael Renberg e John LeClair – linha poderosa ofensivamente (666 pontos em três temporadas) e dominante fisicamente (no mínimo, os três mediam 6’2” e pesavam 230 libras).

O desempenho ofensivo de Eric Lindros continuava impressionante (115 pontos na melhor temporada da carreira, em 1995-96; 79 na fase regular da temporada 1996-97) e foi fundamental no caminho dos Flyers rumo à decisão da Stanley Cup. Porém, o time da Filadélfia acabou por encontrar o todo-poderoso Detroit Red Wings na final e sofreu a varrida.

Lindros trouxe um novo gás aos Flyers, que nunca deixaram de ir à pós-temporada enquanto ele foi o capitão. Na Filadélfia, foram 486 jogos, 290 gols, 369 assistências e 659 pontos.

Entretanto, apesar de tudo o que já foi dito aqui sobre Eric Lindros e sobre os Nordiques após a troca, nem Lindros e nem o time canadense veriam a cor da Stanley Cup. A desvalorização do dólar canadense, uma arena antiquada e a recusa do governo em bancar a franquia forçaram a venda do time após a temporada 1994-95 para o COMSAT Entertainment Group, proprietário do Denver Nuggets na NBA. 

A base do Quebec Nordiques ajudaria o Colorado Avalanche – nova identidade da franquia – a vencer sua primeira Stanley Cup em 1996 e viver anos excelentes. Patrick Roy (adquirido em troca com o Canadiens por Jocelyn Thibault), Forsberg, Deadmarsh e Ricci foram alguns dos principais nomes na campanha pelo título. Diga-se de passagem, Forsberg se tornaria um dos melhores jogadores na história dos Avs – 741 pontos em nove temporadas, com seis temporadas de, pelo menos, 80 pontos.

A troca por Lindros, no fim das contas, possibilitaria ao Colorado Avalanche chegar aos playoffs em todas as suas primeiras dez temporadas, à segunda rodada em seis vezes e à segunda Stanley Cup em 2001. 

Eric Lindros viria a se aposentar aos 34 anos de idade, depois de disputar 760 partidas em 14 temporadas. Foi uma carreira marcada por muito talento, mas por muitas contusões também – jogando nos Flyers, foram seis concussões. E depois de jogar na Filadélfia, suas passagens por Rangers, Maple Leafs e Stars passaram longe do que já havia sido apresentado pelo jogador. 

Mesmo tendo uma curta carreira no hóquei, a NHL certamente ficou marcada dentro e fora do gelo – pelo talento de Lindros e por uma das negociações mais emblemáticas e cinematográficas já vistas na história.

Foto: Divulgação/NHL